quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O impronunciável "impeachment"

O ano era o aguardado 2000, que infelizmente chegou sem os carros voadores e os demais avanços tecnológicos sonhados. Na época, aqui no nosso Brasil, o "fantasma do desemprego" era dos males o pior e o clima estava - acreditem! - mais baixo astral que nestes dias estranhos (em que a crise da petrolheira causa mais indignação que a falta de água). 

Naquele ano, estive em um protesto na Rua da Consolação (cujo nome era poeticamente apropriado ao protesto), entoando um saudoso grito de guerra: "Fora já, fora já daqui/ O FHC e o FMI". 

Numa análise linguística simplória, gosto de pensar sobre a força desse "fora", dito em língua materna, quando comparado ao empolado "impeachment". O "fora" parece meticulosamente criado para o grito feroz, de uma massa empobrecida e sinceramente indignada. 

Já a palavra gringa não cabe bem na boca e nem na rua. Parece mais um  reflexo desse mundo de revoltas virtuais, em que os corretores ortográficos consertam nossos pequenos deslizes - só os pequenos - e permitem certas ousadias vocabulares. É uma espécie de "fora gourmetizado". Além disso, o termo rebuscado parece herdeiro das missas em Latim, da velha prática de "falar bonito" para fingir estar correto.  

Outra coisa bela daqueles simples versinhos era o entendimento de que não era uma questão de caráter, uma questão moral que estava em jogo. Não adiantaria tirar o FHC e manter o FMI, pois o combate era à política neoliberal que conduzia o país a uma situação realmente difícil. O grito deixava claro que a questão não era só trocar o presidente, mas acabar com um modo de gerir a economia e, por conseguinte, a nação.

Ao lembrar isso tudo, confesso que olho para os defensores do "impeachment" com um reprovável sentimento de piedade, um tipo de compaixão arrogante de quem se crê mais esclarecido que os demais. No fundo, é também uma massa explorada que até entende a necessidade de lutar, porém facilmente manipulada justamente por aqueles que deveriam ser combatidos. Em todo o caso, comparando o "fora FMI" com o impronunciável "impeachment", fica fácil distinguir engajamento de manipulação. E ainda dá uma saudade do tempo em que se protestava em português.

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