Entre
os motivos que me conduziram – conscientemente ou não – a atuar como professor,
está, sem dúvida, o incômodo que a escola me causava. Quando era aluno no
ensino médio, eu tinha a sensação de que as coisas poderiam ser feitas de modo
diferente e melhor, ainda que eu não tivesse qualquer ideia de que modo seria
esse. Hoje, com alguma experiência acumulada e certo conhecimento sobre
educação, consigo identificar problemas sérios no modo como se conduz o acesso
ao conhecimento em nossa sociedade. Entre eles, destaco a cultura de intolerância
ao erro, especialmente por achar que ela tem contribuído de forma extremamente
negativa no debate político – sobretudo, pasmem, no campo da esquerda –,
prejudicando assim a luta pela igualdade e pelo respeito ao outro.
Sem
a pretensão de fazer disto um artigo acadêmico, tomo como intolerância ao erro
não apenas o xis vermelho que se faz sobre a resposta incorreta, mas todo um
ambiente hostil a quem arrisca pensar para além da cartilha. Na minha
experiência em cursos pré-vestibulares, é muito comum que, terminada a aula,
alunos venham dizer em voz baixa: “Professor, eu tenho uma pergunta idiota”. Não
raro, porém, a essas desculpas antecipadas seguem questões estimulantes, que me
deixam realmente pensativo e, por vezes, em dúvida também.
Quando
acontece isso, não posso deixar de pensar na escola que essas pessoas tiveram:
certamente, foram espaços onde se ensinou a lidar muito mal com a dúvida e,
provavelmente, a ridicularizar o erro – postura que, é claro, continua se
reproduzindo para além da escola. É com base nisso, portanto, que levanto minha
hipótese: arrisco dizer que, na defesa de causas como o combate ao racismo e ao
machismo, essa mesma cultura de intolerância ao erro tenha limitado o acesso e
talvez até a adesão de mais pessoas a essas importantes pautas.
No meu caso
particular, para termos um exemplo concreto, a condição de negro me deixa, por
razões óbvias, “confortável” para opinar sobre questões como o racismo
institucional e práticas discriminatórias cotidianas. Além de algumas leituras,
a experiência me dá, sobre meus amigos brancos, alguma “vantagem analítica”. Quando
discutimos, por exemplo, se havia racismo em “O sexo e as negas”, mais de um deles
defendeu, num primeiro momento, a série da Globo, mas acabou mudando de opinião
após ouvir o lado do preto aqui – o que me deixa envaidecido, apesar de dizerem
que é pecado. Se alguém me perguntasse qual foi meu principal argumento, eu
diria sem titubear: o respeito à construção do pensamento divergente.
É claro
que, sendo parte de um grupo que sente o preconceito “na pele”, não é fácil ter
sempre esse espírito “zen” e comedido. Os que fazemos parte de algum grupo
discriminado (negros, mulheres, gays, etc.) corremos sempre o risco de não distinguir
discurso discriminatório e pessoa preconceituosa. Sem negar em hipótese alguma
a existência do opressor, que deve ser combatido, parto aqui do princípio de
que existe também a alma confusa que pode (e deve!) ser esclarecida. Mas, para “separar
o joio do trigo”, precisamos enxergar a pessoa diante de nós, e não simplesmente
o erro por ela cometido.
Neste meu
lugar de “homem cis”, seria bastante presunçoso acreditar que já estou “limpo”
de todo o bombardeio machista e homofóbico que os filmes, as músicas, as
telenovelas, os programas de televisão, a família, a escola e a arquibancada do
Corinthians dirigiram, de modo bastante orquestrado, à minha pessoa. Mas, nesta
busca por ser uma pessoa menos ruim, não tenho dúvida de que a paciência de alguns
amigos e amigas me ajudaram muito mais do que a agressividade diante de “escorregadas”
que, por mais que eu não queira, posso voltar a cometer.
Meu ponto é
que, quando agredimos ou ridicularizamos, do alto de nosso pedestal lido e
instruído, aqueles que inconscientemente revelam efeitos danosos de sua
formação machista, racista ou homofóbica, perdemos importantes oportunidades de
conquistar corações e mentes. Sou incapaz de acreditar que, para ser contra o
racismo, a transfobia, o machismo e tantos outros males, é necessário antes saber
seguir toda a cartilha de determinado grupo. Na mudança em que
eu acredito, o sectarismo não tem lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário