domingo, 16 de novembro de 2014

Quando o PT só respeita quem lhe beija a mão




Sobretudo depois da acirrada disputa presidencial que vivemos neste 2014, o Partido dos Trabalhadores aumentou seu poder de ser amado por muitos e odiado por outros tantos. Quem ousa não adotar nenhuma dessas posições extremas acaba ficando no meio de um fogo cruzado, recebendo artilharia de todo canto: de um lado, “petralhas” mais afoitos apelam para o "não tá comigo, tá contra mim" e, de outro, "coxinhas" inveterados desqualificam sumariamente qualquer interlocutor que tenha simpatia por certas políticas petistas. Eu aqui, que já havia experimentado ser alvo de ambos os grupos, acabo de apanhar oficialmente do PT.

Neste dia 15, o coletivo de que participo resolveu promover a atividade “Proclamação da República Nordestina”. Conforme o nome sugere, as motivações eram duas: aproveitar o 15 de novembro para lembrar o tão esquecido significado da "res pública" (“coisa pública”) e, ao mesmo tempo, repudiar o preconceito que recaiu sobre os nordestinos após a expressiva votação na "candidata da esquerda".

Se de um lado corríamos o risco de sermos taxados de "partidários", de outro entendemos que a questão em debate está para muito além do pleito. Quando uma suposta elite se mostra completamente incapaz de conviver com quem não pensa como ela, o próprio conceito de democracia, portanto de república, está em jogo. Para nos opormos a isso, nenhum lugar poderia ser mais simbólico que ocupar uma praça pública, numa cidade da periferia da grande São Paulo, onde vivem muitos milhares de migrantes nordestinos e seus descendentes.

No limite disso tudo, entretanto, qualquer pessoa minimamente sensata entenderia que, mesmo não sendo um evento vinculado ao PT, nossa atividade estava alinhada a valores que o próprio partido deveria estar defendendo. Mas, infelizmente, não podemos inserir o prefeito da cidade em que se deu o encontro, o petista Jorge Lapas, no seleto grupo das pessoas sensatas.

Por ordem dele, não se sabe ainda a mando exatamente de quem, aconteceu algo no mínimo intrigante na praça em que iríamos nos encontrar: antes mesmo de chegarmos, estava lá a zelosa fiscalização da prefeitura, para averiguar exatamente o que se passaria no espaço. Mal começamos a montar nossa tenda, coisa pequena, e logo fomos interpelados com perguntas bobas, sobre a eventual venda de produtos na atividade e questões tão pequenas quanto o trabalho ali desempenhado pela prefeitura. Não havia dúvida de que, por trás daquela intimidação, estava a verdade a busca por algum motivo que justificasse o impedimento de nosso ato.

Não havendo qualquer irregularidade, porém, os fiscais "propuseram" que desligássemos o microfone do evento às 19h. Como já eram 17h30 e o local ainda estava vazio, fizemos ali um "acordo" impossível de ser cumprido, "concordando" com eles apenas para que fossem embora e não nos atrapalhassem a exercer um direito tão inalienável quanto pequeno: ocupar a praça pública.

Mais tarde, já por volta das 20h, a fiscalização voltou, mas agora acompanhada por uma série de guardas da força municipal. A alegação: nível de decibéis inadmissível para a manutenção da “ordem pública”. O interessante, contudo, é que, em frente à mesma praça, no mesmo exato instante, um culto religioso emitia suas canções de louvor, cujo volume era mais alto que a fé de muitos cristãos, propagando-se de modo onipresente pela praça. Perguntamos à líder dos fiscais se, diante de uma "denúncia" nossa, ali, feita diretamente a eles, o culto seria abordado com a mesma rapidez que foi dedicada ao nosso evento. Ela respondeu que a coisa não era bem assim. Diante de nosso protesto por se aplicarem dois pesos e duas medidas, a representante da prefeitura alegou taxativamente que não havia o que fazer.

Numa discussão kafkiana, chegamos a pedir que fossem então medidos os decibéis de nosso microfone, para ter-se a certeza de que estavam além do permitido. A fiscalização novamente se recusou, deixando ainda mais evidente o que todos ali já sabíamos: a fiscalização chegou ao evento antes mesmo de ele começar, com a clara intenção de evitar que ele acontecesse.

O que causa mais assombro é que estávamos em um ato pacífico, com uma pauta visivelmente progressista, muito próxima até de um certo "petismo" e, ainda assim, fomos reprimidos por uma prefeitura governada pelo PT. Com isso, o prefeito Lapas não deixa outra leitura possível se não a de que não lhe interessa a aproximação com grupos que tenham princípios comuns aos que seu partido difunde professar, mas que sua simpatia com movimentos sociais estará ligada, tristemente, a questões bem menores. Tudo indica que o problema foi não estarmos formalmente ligados à sua gestão e a seu partido, o que nos permitiria ocupar o espaço público como melhor nos aprouvesse. No entanto, o fato de sermos um grupo independente, que não precisa beijar a mão do senhor prefeito para desempenhar nossa atuação, parece incomodar demais aquele que se sente o dono do poder nesta cidade assustadoramente provinciana.

Ao dizer isso, não deixo de reconhecer a enorme diversidade existente dentro do Partido dos Trabalhadores. É bastante provável que, se tivéssemos em Osasco um prefeito com a grandeza que vem sendo demonstrada por Fernando Haddad em São Paulo, o tratamento dado à ocupação do espaço público seria infinitamente mais republicano. Porém, é forçoso admitir existe também um outro PT: pequeno, mesquinho e com sérias dificuldades de lidar com movimentos populares não alinhados a seus tentáculos. Há sim um PT que prefere lidar com grupos dispostos a dizer “amém” a tudo que o partido mandar. Jorge Lapas, neste feriado em que deveria ser celebrada a República, deu mostras de estar mais próximo dessa triste vertente.


Mesmo assim, o saldo da Proclamação da República Nordestina, ainda que não pareça, foi extremamente positivo: já estamos marcando um próximo evento, na mesma praça, que seguramente será muito maior que o anterior. Porque política se discute sim - ainda que o todo poderoso prefeito de Osasco não queira.

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