segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Veja São Paulo, preste atenção, há quem espere a solução cair do céu.

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27/10/2014

Na edição de 29/10/2014i (uma edição do futuro!) a revista Veja São Paulo apresenta uma edição especial sobre a crise hídrica pela qual passa a região metropolitana da capital mais rica do país. A capa “Sede de Soluções” expressa bem a indignação daqueles que querem que algo seja feito para mudar, de uma vez por todas, a situação. Todos sabem o mal que é, ou imaginam que deva ser, ficar sem água.
Na página 42 começam as sequências de matérias anunciadas na capa. A primeira delas e única que será comentada aqui, escrita por Mauricio Xavier, têm o objetivo de apresentar o cenário atual, mas, para além desse clichê, apresenta também as medidas de emergências que foram tomadas e as obras que serão feitas para evitar o racionamento na capital. É preciso parar agora para pensar um pouco, acho importante frisar que o objetivo dessas obras e ações de emergência são, como fica claro na capa da matéria, manter a capital abastecida, a capital. Mesmo que isso represente o não abastecimento de cidades próximas? Eu pergunto.
A apresentação do cenário crítico é preocupante mesmo, o nível da água atinge 3% do volume do Cantareira já contando o volume morto. Atingir a segunda cota do volume morto implica em obras para atingir a quantidade de água que está abaixo das tubulações que levam a água para São Paulo, ou seja, a água que acumula, ao longo de muitos anos, os sedimentos, matéria orgânica e micro-organismos do complexo cantareira inteiro. Esse acúmulo foi chamado de “água do lodo” por alguns, concordo, mas confio no tratamento dessa água antes de chegar em casa. E é bom que seja mesmo, não sei onde moram, mas aqui em casa a água já mudou de cheiro e de sabor, quando mudar de cor eu aviso!
A revista apresenta a posição do governador Geraldo Alckimin: “não há uma torneira seca nos 364 municípios atendidos pela Sabesp”. Fui conferir e encontrei algumas informações referentes ao abastecimento do Cantareira. O primeiro dos problemas é encararmos o Sistema Cantareira como uma grande represa como é a Guarapiranga, não é assim. O sistema Cantareira é um complexo formado por 6 barragens interligados por um complexo sistema de túneis, canais, além de uma estação de bombeamento que garante a superação da Serra da Cantareira por esse volume de água (veja imagem abaixo). O sistema chama muito a atenção pela extensão da sua área de drenagem, que se estende até o sul do estado de Minas Gerais. E é nessa característica que quero me focar mais.



Perfil do Cantareira ilustrando algumas barragens e a transmissão via canos da água de uma barragem para outra. Bom frisar que a Serra da Cantareira não está representada, mas estaria a esquerda da imagem.(http://paulinia.net/sites/paulinia.net/files/sistemacantareira.gif)

Vejo a situação da seguinte forma: São Paulo não pode ficar sem água, os motivos podemos enumerar no final desse texto, para isso é preciso manter o sistema Cantareia funcionando minimamente. Para abastecer as barragens que formam o Cantareia o governo do estado de São Paulo conta com o fluxo de água das bacias hidrográficas do interior paulista, especificamente a bacia do PCJ (bacia hidrográfica que comporta os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí). Esses rios fazem parte dos rios que irrigam as barragens do Cantareira embora estejam em regiões que não são abastecidas pela Sabesp, ou seja, para garantir suprimento de água para São Paulo (região metropolitana principalmente) estamos utilizando da água de outras regiões, que são utilizadas por outras empresas para abastecer essas regiões também.
As cidades do interior de São Paulo já sentem o efeito dessa crise hídrica que não pode deixar a cidade de São Paulo sem água. Em Campinas, famílias chegam a esperar 3hrs nas margens da estrada para pegar água in natura de uma nascente – não é recomendável o consumo dessa água, mas é isso ou nadaii.Em Itu a situação parece mais grave ainda: no dia 15 de outubro o Portal Bragança publicou uma notícia dizendo que mais de mil reclamações já haviam sido feitas em uma semana ao Ministério Público sobre a falta de águaiii e por conta disso o órgão proibiu a prefeitura de realizar grandes eventos, a inauguração de novos loteamentos, além de estabelecer multa à prefeitura da cidade. A prefeitura não consegue abastecer a cidade porque o governo do estado de São Paulo (cujo representante supremo é o Geraldo Alckimin, reeleito) precisa que essa água chegue até o sistema Cantareira. Controlando a abertura e fechamento das barragens pode-se diminuir ou aumentar a vazão de água para os rios que irrigam essas regiões, assim, uma escolha foi feita e Itu paga por isso. O site G1 da globo afirma, no começo da notícia que a falta de água é um reflexo da escassez de chuvaiv, mas no final da notícia (naquela parte que poucas pessoas chegam por conta da exaustão do assunto) aponta a posição do Ministério Público: “conforme o documento enviado em julho, o Ministério Público aponta que a precariedade no abastecimento de água para a população não decorre exclusivamente do período de estiagem, mas sim de anos de má gestão e falta de investimentos no aumento da armazenagem de recursos hídricos”.
Campinas e Itu são só exemplos de má gestão. E acredito que precisamos ampliar o nosso olhar. Cidades inteiras estão com o abastecimento de água comprometido faz tempo (em Itu são quase dez meses!) e não adianta culpar os prefeitos de cada uma dessas cidades e abrir inquéritos de investigação para cada uma das empresas de abastecimento dessas cidades. Talvez o problema esteja naquela empresa estatal que tem conseguido manter o nível de abastecimento de seus “clientes”v, como disse a presidenta da Sabesp certa feita. Talvez o nosso olhar deva ampliar a busca pelo culpado nas esferas políticas que conseguem gerenciar mais de uma cidade ao mesmo tempo, talvez a nossa busca por alguém que se explique ou que seja responsabilizado deva ser ampliada para uma esfera política que lida diretamente com os prefeitos e os deputados. Talvez o governador Geraldo Alckimin saiba onde possamos encontrar esse cargo. Talvez esse cargo seja o mesmo daquele que autorizou a compra emergencial de caminhões pipas para amenizar o problema, ou para acalmar os ânimos desses caipirasvi.
Mas esse lance de política cansa um pouco a alma. E não é que a crise hídrica foi tema de sessão da Câmara nessa segunda-feira novamente? Mas não foi só pra informar que a crise hídrica não só se mantém mas também se amplia, principalmente em Itu. Foi tema a falta de licitação para a compra dos caminhões pipas autorizadas pelo governador Geraldo Alckimin (reeleito), seleciono trecho do questionamento realizado pelo vereador Eduardo Ortiz: “Se não foi decretado o estado de emergência ou de calamidade pública, como que se valeu desta justificativa para se desfazer da licitação para a compra de água”vii. Acredito que mandar caminhões pipas para lá não será a solução do problema, acho que mais gente concorda comigo. Mas já dá um alívio, não para as pessoas, mas para o governador.
A revista Veja São Paulo em momento algum mente, mas é preciso reconhecer que as soluções apontadas na página 44 são soluções que garantirão o fornecimento de água na cidade de São Paulo e não nas demais cidades do estado. A relação de municípios atendidos pela Sabesp é imensaviii e não há nela nenhum que esteja racionando água, mas é preciso calma e traquejo nessa hora, a Sabesp utiliza água do sistema Cantareira e outras cidades também utilizam, a Sabesp ainda vende água para algumas cidades (87% da água de Guarulhos é comprada da Sabesp e Guarulhos vive racionamento) e as barragens que garantem o fluxo de água para o Sistema Cantareira diminuem o fluxo em outros rios que servem para outras empresas abastecerem outras cidades, como o caso de Itu por exemplo. A Folha de São Paulo já fez uma matéria sobre o assunto, mas não cita as responsabilidades do governo estadual em nenhuma linhaix.
Como sempre imaginei que um governo estadual devesse garantir a qualidade de vida para todas as pessoas do estado, não aceito que as escolhas do governo do estado (cujo responsável mór é o governador Geraldo Alkimin, reeleito) estejam restritas à região mais rica dele. Isso só desfavorece a maior parte da população e expõe muitas pessoas ao risco indiscutível de consumir água não tratada e, às vezes, reconhecidamente contaminada, ou ainda, e pior ainda, não encontrar água para consumir. E é por isso tudo também que acho indiscutível a inocência de santos responsáveis pelo regime hídrico, eles, na minha opinião, só estão retardando as chuvas para explicitar que o governo do estado de São Paulo (cujo governador foi reeleito agora e se chama Geraldo Alkimin) favorece uma classe muito restrita de pessoas e prejudica, dificulta e ignora a vida da outra parte, a maior parte das famílias que também vive nesse estado. A solução não cai do céu, deveria sim ter vindo das urnas, mas agora teremos (teremos?) que engolir seco mais esses anos de políticas públicas que favorecem, preferencialmente, os bem- nascidos da capital.

Referências:

ihttp://vejasp.abril.com.br/materia/racionamento-drama-medidas-solucoes-falta-agua-volume-morto
ii http://www.espaco.org.br/site_mananciais/?p=906
iiihttp://noticias.portalbraganca.com.br/meio-ambiente/crise-hidrica-falta-de-agua-em-itu-provoca-mais-de-mil-reclamacoes-ao-ministerio-publico.php
ivhttp://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2014/10/deputados-de-itu-pedem-intervencao-estadual-por-causa-da-crise-da-agua.html
vhttp://noticias.r7.com/sao-paulo/saiam-de-sp-porque-aqui-nao-tem-agua-diz-diretor-da-sabesp-em-audio-segundo-revista-25102014
vihttp://noticias.r7.com/sao-paulo/crise-hidrica-alckmin-autoriza-contratacao-emergencial-de-caminhoes-pipa-para-itu-23102014
viihttp://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2014/10/sessao-da-camara-discute-novamente-crise-hidrica-em-itu.html
viiihttp://www.sabesp.com.br/sabesp/filesmng.nsf/CDCF2D425ED6C4F7832575B600554CD9/$File/relacao_municipios_atendidosmai09.pdf
ixhttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2014/10/1526991-racionamento-de-agua-atinge-277-milhoes-de-pessoas-em-sao-paulo.shtml

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